Carta-Prefácio

Começo esta carta-prefácio com um depoimento pessoal. Lendo o manuscrito de "O Código Transcendente" foi impossível eu não lembrar de minha infância. Meu primeiro contato com computadores aconteceu no começo da década de 1980, quando eu tinha apenas 8 anos de idade e meu pai apareceu com uma caixa misteriosa em casa, cujo conteúdo iria mudar minha percepção e meu modo de interagir com o mundo pelo resto de minha vida.

A caixa continha um TK-90X, um clone brasileiro do ZX-SPECTRUM, um clássico microcomputador britânico. Hoje em dia é cada vez mais frequente ver crianças, até menores do que 8 anos, usando computadores, mas naquela época acredito que eu era uma das poucas crianças em Porto Alegre que tinham um microcomputador. E ter um computador significava saber programar. Se você não soubesse programar, a utilidade destes aparelhos era bastante limitada. Assim, desde o dia em que esta caixa misteriosa apareceu em casa, programar é uma atividade a qual eu dedico algum tempo praticamente todos os dias, sempre tentando tornar o mistério contido dentro do aparelho daquela caixa cada vez mais inteligível.

É interessante notar, depois de todos esses anos, que eu sempre percebi o ato de programar como sendo uma atividade extremamente lúdica e criativa, e não somente como um fazer técnico, cuja finalidade seria a otimização máxima dos algoritmos e um uso eficiente dos recursos computacionais. Programar, para mim, sempre foi um fazer experimental, tendo os computadores sendo playgrounds onde eu exercito minha criatividade.

Hoje eu leciono a disciplina "Creative Coding", no mestrado em "Digital Arts" da De Montfort University, em Leicester, Reino Unido, explorando com os meus alunos as diversas possibilidades do uso da linguagem Processing nas artes visuais, sonoras e interativas.

Tendo este background, é com alegria que vejo este volume nascer, preenchendo uma importante lacuna na literatura brasileira sobre o tema. Mais do que apenas introduzir a linguagem Processing ao público interessado em aprender a programar ou em aperfeiçoar seu conhecimento, Berruezo contextualiza o terreno que possibilitou o surgimento, pelas mãos e mentes de Casey Reas e Benjamin Fry, desta linguagem, trazendo ao leitor um importante panorama sobre a arte generativa, que resgata e contextualiza seus anos primordiais com Georg Nees, Frieder Nake, Michael Noll, Manfred Mohr, Vera Molnár e Ernest Edmonds, entre outros artistas.

Códigos computacionais estão presentes, de maneiras óbvias e também imperceptíveis, em praticamente todos os aspectos da vida contemporânea, sejam eles econômicos, culturais, criativos ou políticos, e programar é uma forma de participar ativamente do processo de construção e compreensão de nosso futuro. Iniciativas como esta obra são essenciais para a alfabetização digital e inclusão de um número cada vez maior de pessoas nas vias computacionais pelas quais trafegam o mundo contemporâneo, e o leitor encontrará em "O Código Transcendente" um ótimo guia para sua viagem!

Fabrizio Poltronieri
Berlim, 2019.